Em Abril de 1974 tinha apenas 13 anos e estava longe de saber o que era a ditadura. Mas isso não me impediu de, conforme fui criando consciência política, tornar-me uma acérrima defensora dos três ideais que, ainda hoje e sempre, são a razão da minha vida: a Justiça, a Democracia e a Liberdade, e nos quais está centrada a essência da minha intervenção cívica. Por isso, não posso deixar de me escandalizar com certas atitudes, como estas:
No passado dia 30 de Junho, durante a segunda reunião da Assembleia Municipal de Almada, ocorreu um triste e lamentável episódio, impensável 36 anos após o 25 de Abril, num Estado de direito e num concelho berço de tantas lutas contra o fascismo.
Tratou-se, tão só e apenas, do inqualificável acto protagonizado pelo Presidente daquele órgão autárquico que impediu fossem distribuídos aos deputados e vereadores os exemplares da intervenção de um trabalhador da autarquia que interviera no período do público e entregara nos serviços de apoio cópias suficientes para o efeito. Dado o curto tempo disponível para usar da palavra, entendeu aquele munícipe fazer um resumo do que escrevera e anexar dois documentos, indispensáveis à compreensão dos factos por si relatados, já que o Regimento da AMA é omisso nesta matéria e no seu articulado nada impede que assim se faça, à semelhança da regra que vigora para os discursos dos deputados municipais.
Todavia, sem qualquer explicação ao plenário, numa decisão autocrática [assumida sem consultar os restantes membros da Mesa, conforme assim o determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 19.º do Regimento], o Presidente da AMA proibiu que os restantes autarcas tomassem conhecimento do teor daquela intervenção, a qual continha provas evidentes de que a Presidente da Câmara mentira na reunião do dia anterior para tentar ridicularizar o carácter dos subscritores de uma queixa ao Provedor de Justiça sobre o comportamento discriminatório da CMA em matéria de recursos humanos.
Pela primeira vez a CMA estava a ser confrontada, na Assembleia Municipal, por dois trabalhadores, que tiveram a coragem de denunciar, publicamente, as atitudes discriminatórias de que têm sido alvo, evidenciando o carácter parcial e injusto da alegada “política global de gestão de recursos humanos” da autarquia mas que, na prática, só tem favorecido alguns, seja pelas ligações familiares adequadas e/ou partidárias convenientes.
Pese embora a conduta da Presidente da Câmara seja condenável a todos os títulos, a do Presidente da Assembleia foi um verdadeiro atentado à democracia que não podemos deixar esquecer, mesmo que sobre o assunto paire o mais absoluto silêncio de todas as bancadas (CDU, PS, PSD e CDS), à excepção do BE que, logo no dia seguinte, através de e-mail, exigiu explicações concretas e objectivas sobre aquela ocorrência.
Dias mais tarde, o Presidente da AMA, mistura a resposta a uma carta oficial (escrita sem qualificativos e com toda a correcção de linguagem) com o conhecimento de opiniões pessoais, veiculadas através do meu blogue particular – http://metoscano.blogspot.com, e resolve afirmar que “tendo presente os desenvolvimentos que o seu carácter e vontade estão a assumir considero a sua actuação insultuosa, ultrajante e caluniosa” numa evidente tentativa de cercear a minha liberdade de expressão. Ora, pergunto eu: se o PCP pode afiançar que o 1.º Ministro é ladrão e mentiroso na comunicação social, o que os leva a considerar que eu não posso dizer na blogosfera que a Presidente da CMA mente e o Presidente da AMA faz censura? Pensará o PCP que é intocável e só os seus militantes têm legitimidade para se manifestar? Parafraseando o comentador de futebol Rui Santos: “mas que raio de democracia é esta?”
Desconhecemos quais vão ser os desenvolvimentos futuros deste assunto. Esperamos, todavia, que os “danos colaterais” que se adivinham não venham a prejudicar a parte mais fraca, nomeadamente a trabalhadora dos serviços de apoio da AMA que informou o colega em causa de que as cópias que não haviam sido distribuídas tinham tido como destino o caixote do lixo, até porque sempre tem demonstrado um exemplar profissionalismo no desempenho das suas funções sendo, também, bastante considerada pela sua simpatia e diligência por todos os deputados (de todos os quadrantes políticos) ao longo de vários mandatos.
Aguardemos, pois então! E cá estaremos para impedir que atitudes destas sejam branqueadas. Tal como já dizia o poeta, “não há machado que corte a raiz ao pensamento, porque é livre como o vento, porque é livre”, também não há censura que nos corte a palavra (artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa).
Jornal Notícias de Almada, 16-07-2010